Não há como examinar o instituto do Erro Médico dissociado da análise minuciosa dos pressupostos da responsabilidade civil do artigo 186 do Código Civil 2002, notadamente, a conduta humana ou ato ilícito do médico, ou a conduta do funcionário atrelada ao hospital ou clínica médica. Assim, é de suma importância, pois ganha relevo na definição do regime de responsabilidade subjetiva ou objetiva, separar erro médico de erro hospitalar, para atribuir corretamente a responsabilidade ao causador do dano moral, material ou estético.
Todavia, a análise comparativa das características, efeitos e agente do erro médico e erro hospitalar foi tema do artigo “Erro Médico e Responsabilidade do Hospital”, disponível no link.
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Didaticamente adotar-se-á o termo Erro Médico para referir-se tanto ao erro médico resultante de ato pessoal do médico (dano moral do paciente que é obrigado a conviver com cicatriz inestética no rosto, causada culposamente pelo cirurgião plástico), como ao erro hospitalar (dano moral do paciente que é obrigado a conviver com paralisia, causada por falhas ou defeitos na administração de medicamento, comprovadas, pelo serviço auxiliar de enfermagem da empresa de saúde).
Segundo a regra concernente a comprovação do ato ilícito, descrita ao teor do art. 186 do CC/02, a existência do dano moral depende do cotejo dos fatos com as provas do alegado erro médico, pois não é consequência direta ou automática deste.
Essa constatação, todavia, não desautoriza pensar que um único ato ou fato médico-hospitalar possa causar alguns danos simultâneos ao mesmo paciente, como, por exemplo, dano estético (concepção objetiva = queimadura no rosto de paciente causada culposamente por médico dermatologista, durante aplicação de laser) com projeção no dano moral (concepção subjetiva = sentimentos e sensações negativas como constrangimentos, vexames, dores, ou seja, aqueles que atingem a moralidade, a autoestima e a estima social da pessoa).
Na análise do erro médico, os operadores jurídicos – e, de modo especial, os aplicadores do direito – enfrentam agudas dificuldades na verificação da ocorrência de erro médico. Mais ainda, é analisar os reflexos produzidos pela ação ou omissão do ato médico ou hospitalar, na personalidade do paciente lesado (dano moral).
Nessas demandas indenizatórias, os advogados dos autores pintam com tintas carregadas as evidências de má prática médica, ao passo que os patronos dos requeridos, respaldados em compêndios científicos e laudos periciais, demonstram que o profissional em momento nenhum afastou-se dos cânones que a ciência médica estabelece para o procedimento questionado, diz Miguel Kfouri Neto ao escrever sobre o tema na obra Responsabilidade Civil do Médico 2013, p.99.
Um exemplo, citado pelo autor demonstra a relevância de se separar e atribuir a conduta ao responsável correto, ainda mais, porque nem todo ato médico-hospitalar encerra erro médico. Veja-se:
Casuística:
“Homem idoso, ao redor de 80 anos, foi atropelado, sofrendo fratura exposta no membro inferior esquerdo. Transportado para hospital de cidade vizinha, onde deu entrada mais de cinco horas depois do acidente, submeteu-se a cirurgia para redução da fratura e, em seguida, teve a perna engessada. Poucos dias após a operação, instalou-se virulento processo infeccioso, que provocou a morte da vítima. A inicial atribuiu culpa aos ortopedistas, sob a alegação de que jamais aquela fratura poderia ter sofrido imobilização com gesso, resultando daí a infecção e a morte. A contestação, reproduzindo trechos de obras de referência em ortopedia, procurou demonstrar a absoluta correção do procedimento cirúrgico, incorrendo nexo causal entre a colocação do gesso e a infecção – tanto assim que o óbito consignou causa mortis não determinada.”
Ainda segundo o autor, “o magistrado, na apreciação da prova, deverá considerar o dano, estabelecer o nexo causal e avaliar as circunstâncias do ato médico sem tergiversações”.
Verifica-se o dano moral, puro ou reflexo, pela presença simultânea do ato ilícito ou conduta médica ou hospitalar, e o nexo de causalidade entre este e àquele. Dessa forma, para que o paciente ou familiar requeira em juízo Reparação Civil por Danos Morais sob fundamento de Erro Médico, será imprescindível a demonstração inequívoca deste.
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Logo, erro médico é a conduta voluntária ou involuntária, direta ou indireta, praticada mediante imperícia, imprudência ou negligência, que cause dano ao paciente.
Extrai-se desse conceito que a culpa é o elemento fundamental da responsabilidade civil do médico por ato técnico-profissional, em respeito a teoria subjetiva, adotada pelo nosso Código Civil de 2002. Veja-se:
“ Aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência, violar direito e causar dano a outrem, ainda que exclusivamente moral, comete ato ilícito.”(g.n).
Art. 186.
Igualmente, o dano assume relevo na análise da responsabilidade do agente, de modo que, sem o dano o ato ilícito não assume relevância. Vê-se, pois que não basta apenas comprovar o ato ilícito, ainda que revestido de alguma das modalidades de culpa (negligência, imprudência ou imperícia), pois a exegese dessa norma indica o dano como requisito para o surgimento da Obrigação de indenizar do médico ou nosocômio.
Observe-se a imprescindibilidade de, no caso concreto, demonstrar cabalmente a relação de causa (ato ilícito) e efeito(dano moral), haja vista que, se o dano físico (estético) alegado com reflexo a interesse existencial do paciente subsistisse, ainda que excluída a conduta ou ato ilícito médico-hospitalar, o dever de indenizar do responsável estaria afastado por rompimento do nexo de causalidade.
Portanto, de acordo com o art. 186 do Código Civil, que estabelece a regra da teoria da responsabilidade civil subjetiva, são pressupostos da responsabilidade civil caracterizadores do erro médico:
- conduta ou ato ilícito;
- nexo de causalidade; e
- dano – moral, material ou estético.
Outrossim, além da prova inequívoca da conduta ou ato ilícito, mediante uma destas modalidades de culpa: Negligência Imprudência ou Imperícia, presumindo-se quanto ao hospital por regência da teoria objetiva, consoante disposto no parágrafo único do art. 927 do CC e 14, caput, do Código de Defesa do Consumidor, deve o paciente ou familiar demonstrar o Dano Efetivo, pois sem este o ato ilícito (culpa) não assume relevância no campo da responsabilidade civil, tendo em vista que a obrigação de indenizar só assume força quando àquele que, por ato ilícito, causar dano a outrem, é o que determinar o Código Civil no “Art. 927. Aquele que, por ato ilícito (arts. 186 e 18), causar dano a outrem, fica obrigado a repará-lo.”
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Por fim, exige-se a comprovação do Nexo de Causalidade ou a relação de causa e efeito entre o dano – à moral, à imagem, estético e existencial – e a conduta ilícita do médico ou empresa médica, para que subsista a responsabilidade civil contratual de indenizar o paciente ou familiar pelos prejuízos lesivos causados.
Comprovado o ato ilícito que causou um dano gravíssimo à saúde e integridade física do paciente, é induvidosa a lesão a interesse existencial, que não se confunde com direito à imagem, estético e existencial.
A título de digressão, o dano moral está previsto no art. 5.º, incisos V e X, da Constituição Federal, como direito e garantia fundamental.
V – é assegurado o direito de resposta, proporcional ao agravo, além da indenização por dano material, moral ou à imagem;
Art. 5.º (…)
X – são invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurado o direito a indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação;
No plano infraconstitucional, o direito moral está previsto no Código Civil (art. 186), a título de cláusula geral.
Conceituar o dano moral, independente da fonte causadora – dano estético ou dano à imagem – é tarefa árdua.
Para Nelson Rosenvald, o conceito de dano moral previsto no texto constitucional não se sustenta mais. Em razão disso, para o autor civilista, o dano extrapatrimonial é o gênero do qual são espécies:
- Dano moral;
- Dano à imagem;
- Dano estético; e
- Dano existencial.
Dano moral é tudo aquilo que é lesão a interesse existencial da pessoa, mas que não é direito à imagem, estético e existencial.
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Dano estético é alteração morfológica ou física da pessoa, podendo existir mesmo sem alterações externas. Pode-se dizer também que dano estético é toda ofensa causada aos direitos físicos da pessoa humana, correspondentes à integridade física da pessoa humana, ligados diretamente à pessoa de seu titular, (…), direito à higidez corpórea e às partes do corpo, protegendo o corpo de qualquer modificação não autorizada.
Assim, o que caracteriza o dano estético não é a concepção subjetiva de enfeamento, mas sim o conceito objetivo – aferível através de perícia médica – de ofensa à integridade física que torna diferente do estado anterior. (Reparação Civil por Danos Morais, Carlos Alberto Bittar, 2015, p. 270, citando Matos, Dano moral e dano estético, 2008, p. 168-169).
Dano existencial é a modificação muito relevante na vida da pessoa, como, por exemplo, o decorrente da relação de trabalho ao teor do art. 223-A, incluído pela Lei n 13.467, de 2017, na Consolidação das Leis Trabalhistas. Então, veja-se:
Aplicam-se à reparação de danos de natureza extrapatrimonial decorrentes da relação de trabalho apenas os dispositivos deste Título.(Incluído pela Lei nº 13.467, de 2017)
Art. 223-A.
De outro giro, por dano moral há de se compreender a lesão de direito individual, relativo a ofensa à dignidade pessoal, ao amor próprio, à auto-estima, enfim, a todos os valores subjetivos aprovados na relação social (Responsabilidade Médica, Civil, Criminal e Ética, Jurandir Sebastião, 2003, p. 78).
Dificuldade, igualmente, reside em saber quem legalmente sofreu a dor pela perda do parente querido. Nesse sentido, esse eminente autor propõe a seguinte solução:
“Em sede de dano moral puro, decorrente de morte por ato ilícito, a dificuldade reside em saber quem legalmente sofreu a dor pela perda do parente querido, para exigir a correspondente compensação. Quando se trata de vítima casada que não deixou descendente e nem ascendente e que coabitava com o cônjuge supérstite ao tempo do falecimento, a solução é singela: a indenização é devida apenas a esse cônjuge.”
Ao que interessa abordar, tomando por base as lições alhures, o dano moral puro ou reflexo no contexto do erro médico pode ser entendido também como o dano decorrente da privação ou diminuição daqueles bens que têm um valor precípuo na vida do homem e que são a paz, a tranquilidade de espírito, a liberdade individual, a integridade física, a honra e os demais sagrados afetos ao patrimônio moral (dor, tristeza, saudade, ou seja, sentimentos depressivos etc.).
Como exemplo de abalo ou dano físico a alguma parte do corpo do paciente, cita-se queimadura no rosto do paciente, após sessão a laser, consideradas lesões permanentes ou irreversíveis.
Por conseguinte, esse dano físico ou estético gera dano moral, uma vez que o paciente terá de conviver com o sentimento de tristeza e desgosto em virtude do enfeamento (concepção subjetiva) causado pela queimadora em seu rosto, e é, por isso, indenizável, como se pode verificar em REsp659.598/PR, Rel. Min. Aldir Passarinho Junior, julgado em 18.9.2008, considerando-se que prospera a tese da cumulação dos dano moral e estético, como em REsp 519.258/RJ, Rel. Min. Fernando Gonçalves, julgado em 6.5.2008. Ademais, nessa matéria, a Súmula 387 do STJ assentou o entendimento, ao afirmar: “É lícita a cumulação das indenizações de dano estético e dano moral”.
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Por ser o dano moral abalo a sentimentos intrínsecos da pessoa humana quase impossível de aferição da dor psicológica da pessoa, haja vista a concepção subjetiva e abstrata, o Superior Tribunal de Justiça sedimentou em quais circunstâncias o dano moral pode ser presumido: Cadastro de inadimplentes (Ag 1.379.761); Responsabilidade bancária (Ag 1.295.732 e REsp 1.087.487); Atraso de voo (REsp 299.532); Diploma sem reconhecimento (REsp 631.204); Credibilidade desviada (REsp 1.020.936) – a inclusão indevida e equivocada de nomes de médicos em guia orientador de plano de saúde gerou, no STJ, o dever de indenizar por ser dano presumido.
Todavia, não se cogita dúvida de que a perda de um ente querido, ou queimadura no rosto, amputação de um dedo, gere dano moral. E, por isso, doutrinadores têm advogado que o prejuízo moral, nesses casos, é provado in re ipsa – desnecessidade da demonstração do dano a moral.
Para a corrente doutrinária e jurisprudencial majoritária, não se está em questão a prova do prejuízo, e sim a violação de um direito constitucionalmente previsto. Esta corrente vem encontrando guarida no Superior Tribunal de Justiça, que assim já decidiu. Verifique-se o julgado:
“A concepção atual da doutrina orienta-se no sentido de que a responsabilização do agente causador do dano moral opera-se por força do simples fato da violação (damnum in re ipsa), não havendo que se cogitar da prova do prejuízo” (REsp. nº. 23.575-DF, Relator Ministro César Asfor Rocha, DJU 01/09/97); “Dano moral – Prova. Não há que se falar em prova do dano moral, mas sim, na prova do fato que gerou a dor, o sofrimento, sentimentos íntimos que os ensejam (…)” (Resp nº. 86.271-SP, Relator Ministro Carlos ª Menezes, DJU 09/12/97).
Na mesma linha de entendimento, é pacífica a diretriz de que os danos derivam do próprio fato da violação damnum in re ipsa (RT 659/78, 648/72, 534/92, dentre outras decisões). Não se pode, pois, falar em prova, consoante, aliás, decidiu, entre nós, o próprio Colendo SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL (RT 562/82; acordão em RE 99.501-3 e n. 95.872-0.39).
Desnecessário se fazer prova quanto à ocorrência dos danos tendo em vista que este é in re ipsa, existindo somente pela ofensa e, portanto, presumido. Tratam-se, como exposto, de danos eminentemente morais, danos à honra consubstanciados no rebaixamento, desdém e infortúnio a que foi submetida a pessoa.
O dano simplesmente moral, sem repercussão no patrimônio, não há como ser provado. Ele existe tão somente pela ofensa, e dela é presumido, sendo o bastante para justificar a indenização.
O Egrégio Superior Tribunal de Justiça vem decidindo reiteradamente o seguinte:
“Não há falar em prova do dano moral, mas, sim, na prova do fato que gerou a dor, o sofrimento, sentimentos íntimos que o ensejam”. (REsp nº 86.271/SP, 3ª Turma, relator Ministro Carlos Alberto Menezes Direito, j. 10/11/1997, DJ. 09/12/1997).
Em suma, o dano moral no erro médico, na hipótese de dano estético externo ou morte, é o sentimento de sofrimento e desgosto do paciente por ser obrigado a conviver perenemente com a queimadura no rosto, por exemplo, e não a lesão permanente e irreversível propriamente dita.
A cicatriz ou queimadura inestéticas, irreversíveis e irreparáveis na face de uma pessoa causada por ato ilícito do profissional médico gera dano estético (abalo físico), dano material (perda do valor pago pelo procedimento estético), e o dano moral, reflexo das consequências psicológicas causadas a interesse existencial pela lesão do dano estético.
Enfim, para buscar Reparação Civil por Danos Morais resultante de Erro Médico, obrigatoriamente, é necessário que o dano moral seja comprovado mediante demonstração cabal de que determinado dano – estético ou morte – seu deu por ato ilícito ou conduta do médico ou hospital.
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Galvão & Silva Advocacia
Artigo escrito por advogados especialistas do escritório Galvão & Silva Advocacia. Inscrita no CNPJ 22.889.244/0001-00 e Registro OAB/DF 2609/15. Conheça nossos autores.