O Supremo Tribunal Federal (STF) decidiu por unanimidade a não validade da legítima defesa da honra, sendo portanto, a tese considerada inconstitucional. Dessa forma, não poderá ser alegada em crimes de feminicídio.
O julgamento do mérito da matéria, objeto de Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) 779, ocorreu na última terça-feira, dia 1º de agosto de 2023, em sessão plenária de início das atividades do segundo semestre do ano.
A importância desta decisão acentua-se, uma vez que a tese em discussão contraria princípios constitucionais, como o da dignidade da pessoa humana e da proteção à vida. Todavia, afinal, o que é legítima defesa da honra? É o que discorreremos neste artigo.
O que é legítima defesa da honra?
A legítima defesa da honra é a crença de que uma pessoa poderia se envolver em condutas agressivas ou mesmo letais para proteger sua reputação ou a reputação de um membro de sua família, quando sentisse que essa reputação estava sendo atacada ou ameaçada.
Contudo, ao longo do tempo, a legítima defesa da honra foi criticada por promover comportamentos violentos e prejudiciais, além de ser usada para justificar abusos e crimes, como homicídios e agressões graves. Sobretudo, essa tese era utilizada em casos de feminicídio e lesões contra mulheres.
O argumento era que o comportamento do réu era justificado em casos, principalmente de adultério, tendo em vista que a mulher teria ferido a honra do parceiro. Em outras palavras, era considerado justificável a agressão ou o ato criminoso como uma forma de defesa, atribuindo a culpa à vítima, uma vez que, segundo a tese, ela teria dado causa à sua própria morte ou contusão.
Durante muitos anos, a tese em questão foi aceita, haja visto que posteriormente, os Tribunais eram formados, em maioria, por homens. Todavia, em face da atualidade e objetivando a igualdade e garantia da proteção dos direitos das mulheres, tornou-se necessário uma reanálise da tese, que foi revisitada e considerada inconstitucional pelo STF.
Qual é a origem da tese da legítima defesa da honra?
A origem da tese da “legítima defesa da honra” remonta a contextos sociais e culturais históricos, em que a honra era considerada um valor fundamental em muitas sociedades. Esse conceito está intimamente ligado às ideias de honra e dignidade pessoal, especialmente em comunidades onde a reputação de um indivíduo ou de sua família era altamente valorizada.
Em algumas culturas e épocas passadas, a honra era considerada um bem supremo, e ofensas à honra eram vistas como desafios diretos à integridade e ao respeito da pessoa ou família afetada. Nessas sociedades, o desonrar da honra de alguém poderia ser percebido como uma provocação extrema, capaz de justificar uma resposta violenta.
A tese da legítima defesa da honra era frequentemente utilizada para justificar ações violentas cometidas em resposta a insultos, calúnias, difamações ou traições que supostamente mancharam a reputação da pessoa ou família. Em casos de adultério ou relações amorosas consideradas impróprias, a legítima defesa da honra poderia ser usada para absolver ou minimizar a responsabilidade do autor do ato violento.
No entanto, é importante ressaltar que esse conceito tem sido amplamente questionado e criticado ao longo do tempo, pois muitas vezes levava a situações de violência desproporcional e injustificada. A defesa da honra frequentemente era utilizada para justificar comportamentos abusivos e crimes graves, como homicídios de mulheres em casos de ciúmes ou vingança.
Atualmente, a ideia da “legítima defesa da honra” não é aceita em grande parte dos sistemas jurídicos modernos, que valorizam a proteção da vida e da integridade física das pessoas. A defesa da honra não é considerada uma justificativa legal válida para atos violentos e é inaceitável como argumento em casos de violência, especialmente em casos de feminicídio e outras formas de violência de gênero. A legislação contemporânea busca combater e prevenir a violência, promovendo a igualdade de gênero e garantindo o respeito aos direitos humanos de todas as pessoas.
O que é o princípio da dignidade da pessoa humana?
O Princípio da Dignidade da Pessoa Humana é um dos princípios fundamentais dos direitos humanos e da dignidade individual. Ele está presente em várias constituições ao redor do mundo e é considerado uma base essencial para a proteção dos direitos humanos e a promoção da justiça social.
Em sua essência, o princípio da dignidade da pessoa humana afirma que todas as pessoas têm um valor intrínseco, inalienável e igual, independentemente de sua origem, raça, sexo, religião, condição econômica, orientação sexual ou qualquer outra característica. Significa que todas as pessoas merecem ser tratadas com respeito, consideração e igualdade, e que seus direitos fundamentais devem ser protegidos e respeitados.
Assim, o Princípio da Dignidade da Pessoa Humana reconhece o valor intrínseco e inalienável de cada indivíduo e é um dos alicerces para a proteção dos direitos humanos e o respeito à igualdade e à justiça social em uma sociedade.
A tese da legítima defesa da honra tem previsão legal?
No Brasil, a tese da “legítima defesa da honra” não tem previsão legal como justificativa para a prática de atos violentos ou criminosos. O país possui um sistema jurídico que não reconhece a legítima defesa da honra como uma causa válida para a prática de homicídios, agressões ou qualquer forma de violência.
O Código Penal Brasileiro prevê a legítima defesa como uma excludente de ilicitude em situações específicas em que a pessoa age para se proteger ou proteger terceiros de uma ameaça real e iminente à vida ou à integridade física. No entanto, essa defesa se restringe a casos em que há uma agressão injusta e iminente, e não está relacionada a questões de honra ou reputação.
É importante destacar que a legislação brasileira condena a prática de qualquer forma de violência e busca combater a violência de gênero, incluindo o feminicídio. O feminicídio é um crime tipificado no Brasil desde 2015 e consiste no homicídio de uma mulher por razões de gênero, ou seja, quando o crime envolve violência doméstica e familiar ou menosprezo à condição de mulher.
Afinal, o que decidiu o STF a respeito da validade da legítima defesa da honra?
Primeiramente, cumpre salientar a Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF nº 779) ajuizada pelo Partido Democrático Trabalhista (PDT) em 6 de janeiro de 2021, que pediu ao STF a análise dos artigos 23, II e 35 do Código Penal e o artigo 65 do Código de Processo Penal à luz da interpretação da Constituição Federal, declarando a inconstitucionalidade da tese da legítima defesa.
Outrossim, a ADPF 779 também alegou a incompatibilidade da tese em tela com os princípios constitucionais, tais como o da dignidade da pessoa humana, igualdade de gênero e proteção à vida, previstos nos artigos 1º, III, 3º, IV e 5º LIV, da Constituição Federal.
Logo, em 15 de março, o STF, em unanimidade, confirmou liminar já concedida pelo Ministro Dias Toffoli, no contexto da ADPF 779, que dispôs:
- A inconstitucionalidade da tese da legítima defesa da honra, tendo em vista que contraria os princípio constitucionais;
- Exclusão da legítima defesa da honra do contexto do instituto da legítima defesa, com base na interpretação constitucional;
- Proibição da utilização direta ou indiretamente da tese da legítima defesa da honra, tanto nas fases pré-processuais, como no processo penal;
- No Tribunal do Júri, o acusado de feminicídio não poderá ser absolvido com base na tese da legítima defesa da honra;
- Em casos de absolvição do réu no plenário do júri, em razão da tese da legítima defesa da honra, será possível que o Ministério Público interponha apelação.
Desse modo, a Ministra Rosa Weber, presidente do STF, juntamente com a Ministra Cármen Lúcia, salientaram que se trata de uma questão não somente jurídica, mas de humanidade.
A ministra presidente do STF destacou que “não há espaço para a restauração dos costumes medievais e desumanos do passado, pelos quais tantas mulheres foram vítimas de violência e do abuso em defesa da ideologia patriarcal fundada no pressuposto da superioridade masculina, pela qual se legitima a eliminação da vida de mulheres”.
Portanto, a importância da discussão da temática da legítima defesa da honra reside principalmente em compreender que essa ideia é obsoleta e não possui validade nos sistemas jurídicos modernos.
Ademais, permite ressaltar a importância de combater a violência de gênero, especialmente o feminicídio, que é um crime baseado na discriminação e desigualdade de gênero. É fundamental promover uma cultura de igualdade e respeito, buscando prevenir e punir qualquer forma de violência contra as mulheres.
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Galvão & Silva Advocacia
Artigo escrito por advogados especialistas do escritório Galvão & Silva Advocacia. Inscrita no CNPJ 22.889.244/0001-00 e Registro OAB/DF 2609/15. Conheça nossos autores.