Inversão do Ônus da Prova no Direito Médico

Inversão do Ônus da Prova no Direito Médico

27/11/2020

15 min de leitura

Atualizado em

Inversão ônus da prova no direito médico
A inversão do ônus da prova no direito médico permite que, em casos onde há vulnerabilidade do paciente ou dificuldade em provar o erro médico, cabe ao médico ou hospital demonstrar a ausência de falha nos cuidados, garantindo mais equilíbrio na relação médico-paciente.

O direito básico da facilitação da defesa dos direitos do consumidor/paciente, instrumentalizado por meio da inversão do ônus da prova ao teor do art. 6º, VIII, do Código de Defesa do Consumidor, está ligado ao encargo probatório da prova do erro médico.

A atividade de provar o erro médico é tarefa árdua dos operadores do direito e julgadores, visto exigir, quase sempre, conhecimento teórico e prático profundo da medicina, o qual somente o médico detém. Nesse ponto, é indiscutível a hipossuficiência técnica do paciente ante o desconhecimento da medicina.

Nota-se que, nas demandas por erro médico, a distribuição dinâmica do ônus da prova pode ser aplicada, pois, dada a expertise do médico em relação a determinado assunto, ele tem melhores condições de desincumbir-se do ônus probandi.

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A finalidade precípua da distribuição dinâmica do ônus da prova é transferir ao médico o ônus ou encargo de demonstrar que exerceu sua profissão dentro dos protocolos técnicos aplicáveis e excludentes de responsabilidade insculpidas no art. 14, § 3º, I e II, do CDC, como, por exemplo, o dano lesivo por erro médico ocorreu por causas naturais ou culpa exclusiva do paciente.

O Código de Processo Civil no seu art. 373, I e II diz que o ônus da prova incumbe ao autor, quanto ao fato constitutivo de seu direito; e ao réu, quanto à existência de fato impeditivo, modificativo ou extintivo do direito do autor.

Avançando no tema, sem, contudo, pretender esgotá-lo, para além dos requisitos ensejadores da inversão do ônus da prova em favor do consumidor/paciente nos casos de erro médico, mister a existência de relação jurídica de consumo entre médico e paciente, como salutar a aplicação do CDC aos serviços prestados pelos profissionais liberais – médicos.

Pois bem. A relação existente entre médico e paciente se configura como uma relação de consumo, na qual se faz presente um consumidor, um fornecedor e uma prestação de serviço. 

Eduardo Dantas, citado por Leticia de Oliveira Borba e João Pedro Leite Barros (Debates contemporâneos em direito médico e da saúde, p. 234), explica que o médico, ao oferecer seu conhecimento de forma remunerada ao paciente, e o paciente, compreendido como destinatário final do serviço prestado pelo médico, amoldam-se respectivamente aos conceitos de fornecedor (art. 3º, CDC) e consumidor (art. 2º, CDC).

Logo, restaria a relação firmada entre o médico e o paciente como uma relação consumerista, haja vista que a atividade médica se assemelha, neste contexto, a uma prestação de serviço (art. § 2º, art. 3º, CDC).

A relação entre médico-paciente é contratual, embora esteja inserida a responsabilidade civil subjetiva do médico na parte do ato ilícito do art. 186, do Código Civil 2002. Há uma distinção na responsabilidade contratual e extracontratual. Esta diferença na responsabilidade interfere na produção probatória do erro médico, tendo em vista que na primeira cabe ao médico afastar sua culpa no erro médico, enquanto na extracontratual é o paciente que deve provar o erro médico.

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No contexto da inversão do ônus probatório, a responsabilidade civil do médico é subjetiva, calcada nas modalidades de negligência, imprudência e imperícia, por ser profissional liberal, conforme descreve o § 4º, do art. 14, do CDC. O fato de a responsabilidade médica ser subjetiva não afasta a possibilidade de inversão do ônus da prova.

Sobre esse assunto, cita-se trecho de acórdão do Superior Tribunal de Justiça (STJ):

(…) a responsabilidade subjetiva do médico (CDC, art. 14, § 4º) não exclui a possibilidade de inversão do ônus da prova, se presentes os requisitos do art. 6º, VIII, do CDC, devendo o profissional demonstrar ter agido com respeito às orientações técnicas aplicáveis, adotando as cautelas devidas.

(…) a inversão do ônus da prova não implica a procedência do pedido; significa apenas que o juízo de origem, em face dos elementos de prova já trazidos aos autos e da situação das partes, considerou presentes os requisitos do art. 6º do CDC (verossimilhança da alegação ou hipossuficiência), requisitos estes insuscetíveis de revisão na via do recurso especial, cometendo ao médico o ônus de demonstrar que exerceu sua profissão dentro dos protocolos técnicos aplicáveis.

A contribuição desse ônus deverá ser considerada, na análise do conjunto probatório, ao final da instrução, sendo o médico responsabilizado apenas se demonstrada a sua culpa, ao contrário do que ocorreria se cuidasse de responsabilidade objetiva, em que bastaria a comprovação do nexo de causalidade. Assim, evidenciado o nexo, mas comprovado pelo médico que agiu sem culpa, de acordo com as normas técnicas aplicáveis, não haverá imposição a ele de responsabilidade civil pelo evento.

STJ, AgRg969.015/SC, 4ª Turma, Rel. Min. Maria Isabel Gallotti, j. 07.04.2011

Para fins de encargo probatório, em regra, a responsabilidade assumida pelo médico é de meios, ele emprega seu conhecimento científico e utiliza todos os recursos necessários e disponíveis para que o paciente possa alcançar a cura, sem, contudo, obrigar-se a curar, haja vista, não ser ele pessoa capaz de controlar a vida e a morte (Debates contemporâneos em direito médico e da saúde. p.248).

Excepcionalmente, na cirurgia plástica estética, a obrigação assumida pelo médico é de resultados, na qual ele se obriga a entregar ao paciente um resultado específico e conforme o combinado previamente.

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Com relação aos efeitos práticos da inversão do ônus da prova, há certa contradição nos julgados dos tribunais do Brasil, se ao inverter o ônus probatório, no erro médico, deverá ocorrer automaticamente a inversão financeira.

Entre as espécies de provas no direito processual, sem dúvida, a Prova Pericial ou Perícia Médica é uma das mais relevantes, pois possibilitará apontar com certa margem de segurança se a conduta do médico no atendimento ao doente foi adequada ou inadequada, o nexo e o dano e apresentar informações técnicas para o juiz, ao final, julgar se houve ou não erro médico indenizável.

Sabe-se que o juiz não está vinculado a prova pericial para formar seu convencimento. Todavia, ante a complexidade da matéria probatória relacionada ao erro médico, lança mão das informações e dados descritos no Parecer Médico-Legal para decidir pela existência do erro médico, ou seja, culpa do médico.

Sobre a produção da prova pericial e o efeito prático financeiro automático com o deferimento da inversão do ônus da prova, tendo por espeque a regra extraída da norma do art. 95, do CPC: “Cada parte adiantará a remuneração do assistente técnico que houver indicado, sendo a do perito adiantada pela parte que houver requerido a perícia ou rateada quando a perícia for determinada de ofício ou requerida por ambas as partes”, essa normativa é clarividente ao dispor que os honorários do perito serão pagos pela parte que houver requerido, não podendo ser uma incumbência do consumidor/paciente, ainda quando lhe for concedida a inversão do ônus probatório.

Dessa forma, tendo realizado essa síntese de institutos interligados a inversão do ônus da prova, passa-se à análise prática dos requisitos legais no caso de erro médico.

O Código de Defesa do Consumidor inovou ao apresentar determinações próprias e particulares que tratam com especificidade de questões em que fornecedores e consumidores integram a relação jurídica, principalmente no que concerne à matéria probatória e inversão do ônus da prova em favor do consumidor/paciente, consoante art. 6º, VIII.

Nessa linha de raciocínio, presentes os requisitos: (i) verossimilhança e (ii) hipossuficiência, autoriza a inversão do ônus da prova como forma de garantir o princípio da isonomia, os direitos e mecanismos de defesa do consumidor em face da superioridade técnica do médico, hospital ou clínica, os quais têm maiores condições técnicas e financeiras. Assim, busca-se atribuir a estes fornecedores o encargo dinâmico do ônus de provar e produzir todas as provas necessárias processualmente.

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Correto nas lições de Miguel Kfouri Neto (2015, p.63), Desembargador do TJPR ao tratar da “inversão do ônus da prova em caso de culpa médica”, aplicável ao erro médico, recorre aos ensinamentos lúcidos de Sérgio Cavalieri Filho, o qual, textualmente, destaca: 

“[…] a possibilidade da inversão, posto que a hipossuficiência a que alude o CDC não é apenas econômica, mas também técnica. Assim, se o consumidor não ostentar condições financeiras ou técnicas para produzir a prova constitutiva do seu direito, o juiz poderá inverter tal ônus, transferindo-o ao demandado: “Não se olvide que o médico é prestador de serviço pelo que, não obstante subjetiva a sua responsabilidade, está sujeito à disciplina do Código de Defesa do Consumidor. Pode consequentemente o juiz, em face da complexidade técnica da prova da culpa, inverter o ônus dessa prova em favor do consumidor, conforme autoriza o art. 6º., inc. VIII, do Código de Defesa do Consumidor”.

Não obstante as provas que acompanham a ação judicial, a parte faz jus a inversão do ônus da prova, direito este assegurado no art. 6º, VIII, do CDC, desde que demonstrado:

  1.  Hipossuficiência técnica

A Hipossuficiência Técnica estará presente, por exemplo, quando o profissional médico ou hospital, diferentemente do paciente, detém todo o prontuário, exames, laudos, relatórios etc., no qual constam notas, evoluções, exames e observações acerca do tratamento do paciente, além do conhecimento técnico científico da especialidade médica e da execução do serviço médico que tenha causado o erro médico ou hospitalar.

Veja que é nítida a hipossuficiência (técnica) do consumidor/paciente frente ao médico ou empresa médica. É difícil ter acesso aos dados que atestam as etapas e passos dos atendimentos, operação até alta hospitalar e liberação do paciente. O consumidor/paciente não domina a linguagem utilizada. Não sabe, sequer, o que poderia (ou deveria) ter sido feito e não foi, para evitar o evento danoso – morte. O médico e hospital, porém, podem realizar essa prova, pode demonstrar que o dano ocorreu, não obstante toda a correção e cuidado nas condutas médicas.

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Nesse sentido, inclusive colaciona-se o ensinamento de Paulo de Tarso Sanseverino (2007, p. 348), que ao ponderar sobre assunto concluiu:

“A hipossuficiência, que é um conceito próprio do CDC, relaciona-se à vulnerabilidade do consumidor no mercado de consumo. Não é uma definição meramente econômica, conforme parte da doutrina tentou inicialmente cunhar, relacionando-a ao conceito de necessidade da assistência judiciária gratuita. Trata-se de um conceito jurídico, derivando do desequilíbrio concreto em determinada relação de consumo. Num caso específico, a desigualdade entre o consumidor e o fornecedor é tão manifesta que, aplicadas as regras processuais normais, teria o autor remotas chances de comprovar os fatos constitutivos de seu direito. As circunstâncias probatórias indicam que a tarefa probatória do consumidor prejudicado é extremamente difícil”.

  1. Verossimilhança dos fatos

A verossimilhança dos fatos configuradores do erro médico, nada mais é, do que os documentos acostados aos autos, os quais podem revelar ser verossímeis as alegações do consumidor, bem como inegável sua hipossuficiência técnica frente aos fornecedores de prestação de serviços médicos.

Portanto, a verossimilhança dos fatos constitutivos do direito do consumidor pode ser provada pelo conjunto de provas e evidências carreadas aos autos eletrônicos, especialmente, Prontuário, Laudos e Parecer Médico-Legal. Essas provas poderão apontar, por exemplo, que a morte do filho da paciente foi causada, única e exclusivamente, por conduta omissiva e imprudente ou imperita do médico.

Conclui-se pela aplicabilidade da teoria da distribuição dinâmica do ônus da prova no erro médico, mediante a demonstração dos requisitos legais da verossimilhança das alegações ou hipossuficiência – técnica, afastando-se o dogma de ser automática a sua concessão. 

O ônus da prova é um encargo atribuído ao indivíduo (consumidor/paciente), que não pode ser considerado um dever, pois não é possível exigir o seu cumprimento.

O fato de ser a responsabilidade do médico subjetiva não impede o deferimento da inversão ou distribuição dinâmica do encargo probatório. 

Relativamente à efetivação da inversão do ônus probatório a cada parte, o médico, adiantará a remuneração do perito que houver requerido a perícia, nos termos do art. 95, do Código de Processo Civil, ainda que não tenha sido requerida pelo consumidor/paciente ou determinada de ofício pelo juiz.

Não determinada pelo juiz e nem requerida pelo médico a prova pericial, serão presumidos como verdadeiros os fatos constitutivos do alegado erro médico praticado pelo profissional.

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Quando a inversão do ônus da prova pode ser aplicada em casos médicos?

A inversão do ônus da prova  geralmente é aplicada em casos de erro médico, isso se dá pois o médico tem mais condições de apresentar uma argumentação favorável devido ao seu conhecimento. Entretanto, a jurisprudência diversas vezes inverte o ônus da prova com base no Código de Processo Civil, ou com base no código de defesa ao consumidor. 

A decisão judicial que determina a inversão do ônus da prova deve ser dada anteriormente à etapa de instrução do processo. Se for dada posteriormente, a parte deve ter a chance de apresentar suas evidências. 

Assim, a inversão do ônus da prova não retira do consumidor a obrigatoriedade de provar a culpa do médico.

Quais são os critérios para a inversão do ônus da prova no direito médico?

Os critérios para a inversão do ônus da prova são definidos baseados em regras do Código Civil e do Código de Defesa ao Consumidor. 

Seus requisitos, relacionados à inversão do ônus da prova no CDC, são: hipossuficiência do consumidor  e verossimilhança das alegações. Isto é, o consumidor deve estar em desvantagem em relação ao médico. Já a verossimilhança se trata de uma prova de primeira aparência, que se avalia por regras de experiência comum, dando credibilidade à versão do consumidor. 

Como a inversão do ônus da prova afeta a defesa do médico ou hospital?

O intuito da inversão do ônus da prova no direito médico é proteger os direitos dos pacientes e garantir que os médicos provem que agiram corretamente. 

Sendo assim, a inversão do ônus da prova implica em uma maior necessidade de evidências para que o médico comprove sua inocência, tornando o processo de defesa mais complexo. 

A inversão do ônus da prova não implica automaticamente na responsabilidade financeira do paciente pelos honorários periciais, o médico deverá adiantar  a remuneração do perito que houver requerido a perícia. 

Caso a evidência pericial não seja determinada pelo juiz ou requerida pelo médico, a alegação de  erro médico praticado pelo profissional será  presumida como verdadeira.

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O Código de Defesa do Consumidor aplica-se à inversão do ônus da prova no direito médico?

Sim, o Código de Defesa do Consumidor (CDC) é aplicável  à inversão do ônus da prova no direito médico. A inversão do ônus da prova no CDC pode ser aplicada quando o consumidor for hipossuficiente ou quando as suas alegações forem verossímeis. Esses requisitos não são cumulativos, isto é, não é necessário que a situação tenha os dois aspectos. 

O que fazer se o médico ou hospital não conseguir provar a ausência de erro?

Caso o médico ou o hospital não consiga provar a ausência de erro, a inversão do ônus da prova é aplicável, cabendo ao médico comprovar  que agiu em concordância com as orientações técnicas.

Qual a responsabilidade civil dos médicos?

A responsabilidade civil dos médicos trata da obrigação de indenizar o paciente em casos em que existam problemas na conduta do profissional, quando não há o cumprimento de alguns princípios, como: informação, diligência, cuidado, preservação da vida, entre outros.

O que é considerado negligência médica?

É considerada negligência médica situações em que um profissional da área da saúde não oferece o cuidado adequado e esperado, resultando em danos prejudiciais e, por muitas vezes, irreparáveis ao paciente. 

Quando prescreve erro médico?

O erro médico prescreve em cinco anos, contando da data em que o paciente se deu conta do dano. Esse prazo não é interrompido por procedimentos administrativos que possam ser feitos junto ao órgão capacitado.

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Conclusão

A inversão do ônus da prova no direito médico, ao transferir para o profissional de saúde o ônus de comprovar a ausência de erro, representa um avanço significativo na proteção dos direitos dos pacientes. Ao reconhecer a assimetria de informações e a vulnerabilidade do consumidor no contexto da relação médico-paciente, essa medida busca equilibrar a relação entre as partes e garantir uma prestação de serviços de saúde mais segura e eficiente.

O escritório Galvão & Silva é especialista no direito médico. Com anos de experiência, a satisfação e a tranquilidade de nossos clientes é o nosso objetivo. Entre em Contato e agende uma Consultoria Especialista!

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Autor
Galvão & Silva Advocacia

Artigo escrito por advogados especialistas do escritório Galvão & Silva Advocacia. Inscrita no CNPJ 22.889.244/0001-00 e Registro OAB/DF 2609/15. Conheça nossos autores.

Revisor
Daniel Ângelo Luiz da Silva

Advogado sócio fundador do escritório Galvão & Silva Advocacia, formado pela Universidade Processus em Brasília inscrito na OAB/DF sob o número 54.608, professor, escritor e palestrante de diversos temas relacionado ao direito brasileiro.

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