Com a finalidade de possibilitar um julgamento justo e procedente ao final, é imprescindível que, diante de um alegado caso de erro médico e hospitalar, a parte ofendida ou familiar apresente ao Estado-Juiz uma questão jurídica, cujos fatos estejam amoldados à conduta específica do médico e/ou hospital.
Para salutar a compreensão do tema acerca da responsabilidade hospitalar ou do hospital, o termo erro médico comumente é associado ao ato pessoal praticado pelo médico, ao passo que, erro hospitalar é vinculado a falha na prestação do serviço hospitalar propriamente dito. E, os regimes de responsabilidade civil – objetiva ou subjetiva –, nessas hipóteses, têm tratamentos diferentes.
Nesse sentido, os danos que os pacientes podem sofrer em hospitais são divisíveis em dois grandes grupos:
- Danos sofridos em decorrência de erro médico causado pelo médico;
- Danos sofridos em decorrência da própria estrutura hospitalar (CHAVES, Cristiano, Responsabilidade Civil, 2019, p. 835).
O Superior Tribunal de Justiça já decidiu que a responsabilidade objetiva do art. 14 do Código de Defesa do Consumidor:
“prevista para o prestador de serviços, no presente caso, o hospital, circunscreve-se apenas aos serviços única e exclusivamente relacionados com o estabelecimento empresarial propriamente dito, ou seja, aqueles que digam respeito à estadia do paciente (internação), instalações, equipamento, serviços auxiliares (enfermagem, exames, radiologia) etc. e não aos serviços técnico-profissionais dos médicos que ali atuam, permanecendo estes na relação subjetiva de preposição (culpa)”
STJ, REsp. 258.389, Rel. Min. Fernando Gonçalves, 4 T., DJ 22.8.2005
Esse entendimento se dá uma vez que o hospital não é responsabilizado automaticamente pela atividade puramente médica ou erro médico, mas aos serviços paramédicos e extramédico.
Tanto diante da relação clássica entre médico privado e paciente, quanto da relação entre empresa médica ou estabelecimento hospitalar e paciente tem, em ambos os casos, típicas relações de consumo, cuja diferença normativa é que o médico responde apenas culposamente, ao passo que os hospitais e planos de saúde respondem objetivamente.
O Hospital responde pelo dano lesivo causado pela falha ou defeito na prestação dos serviços hospitalares, independentemente da existência de culpa, de acordo com a regra insculpida ao teor do art. 14, caput, do Código de Proteção ao Consumidor (Lei n.º 8.078/1990).
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Pela literalidade expressa desta regra, para se verificar o erro hospitalar exige-se apenas a demonstração da falha ou defeito na prestação do serviço hospitalar, o nexo de causalidade e o dano, por se aplicar, neste caso, a teoria da responsabilidade civil objetiva do art.14. Ipsis:
“Art. 14. O fornecedor de serviços responde, independentemente da existência de culpa, pela reparação dos danos causados aos consumidores por defeitos relativos à prestação dos serviços, bem como por informações insuficientes ou inadequadas sobre sua fruição e riscos.” (g.n).
Todavia, para se evitar a indústria de indenizações desmedida, a jurisprudência e melhor doutrina tiveram a oportunidade de estabelecer o entendimento no sentido de que, não obstante a inafastabilidade da responsabilidade objetiva, primeiro a parte autora, vítima do erro médico ou hospitalar, deverá comprovar a culpa do médico que atendeu o paciente, quando se tratar de um ato pessoal praticado por este profissional, para que seja possível responsabilizar o hospital.
Nesse sentido, o Superior Tribunal de Justiça, pelo voto condutor do Min. Fernando Gonçalves, e à unanimidade de sua colenda Terceira Turma, citado por Miguel Kfouri Neto (Responsabilidade Civil dos Hospitais, 2015, págs. 109-110) assentou:
“(…) 1. A responsabilidade dos hospitais, no que tange à atuação técnico-profissional dos médicos que neles atuam ou a eles sejam ligados por convênio, é subjetiva, ou seja, dependente da comprovação de culpa dos prepostos, presumindo-se a dos preponentes (hospital). Nesse sentido são as normas dos arts. 159, 1.521, III, e 1.545 do Código Civil de 1916 e, atualmente, as dos arts.186 e 951 do novo Código Civil, bem como a súmula 341 do STF (É presumida a culpa do patrão ou comitente pelo ato culposo do empregado ou preposto).
2. Em razão disso, não se pode da guarida à tese do acordão de, arrimado nas provas colhidas, excluir, de modo expresso, a culpa dos médicos e, ao mesmo tempo, admitir a responsabilidade objetiva do hospital, para condená-lo a pagar indenização por morte de paciente.
3. O art. 14 do CDC, conforme melhor doutrina, não conflita com essa conclusão, dado que a responsabilidade objetiva, nele prevista para o prestador de serviços, no presente caso, o hospital, circunscreve-se apenas aos sérvios única e exclusivamente relacionados com o estabelecimento empresarial propriamente dito, ou seja, aqueles que digam respeito à estadia do paciente (internação), instalações, equipamentos, serviços auxiliares (enfermagem, exames, radiologia) etc. e não aos serviços técnico-profissionais dos médicos que ali atuam, permanecendo estes na relação subjetiva de preposição (culpa). (STJ, REsp. 258.389, Rel. Min. Fernando Gonçalves, 4 T., DJ 22.8.2005).
Responsabilidade Civil dos Hospitais, 2015, págs. 109-110
Conclui-se que, tratando-se de erro médico, sem a comprovação da culpa do médico (preposto) não há a responsabilidade civil do hospital (preponente), na medida em que o que se põe em exame é o próprio trabalho médico, aplicando-se, pois, o paragrafo 4º do art. 14 do Código do Consumidor.
Casuística 1:
Enfermeiro(a) de hospital privado, durante o procedimento de puncionar um acesso periférico esqueceu um pedaço do jelco dentro da veia braquial do membro superior esquerdo do paciente, causando-lhe “trombose venosa devido ao edema de subcutâneo do braço esquerdo” – dano comprovado através de Exame Doppler Venoso do Membro Superior Esquerdo.
Casuística 2:
Médico(a) de hospital particular, esquece pinça dentro da barriga do paciente, causando-lhe infecção e sepse, vindo o paciente a óbito, danos comprovados por exames inquestionáveis.
As regras acima explicitadas, responsabilidade objetiva ou subjetiva, são suficientes para solucionar essas casuísticas. Veja-se:
No primeiro caso, a solução jurídica reclama a aplicação da teoria da responsabilidade civil objetiva, adotada pelo art. 14, caput do CDC, em virtude da patente falha ou defeito na prestação do serviço auxiliar de enfermagem do hospital.
Assim, a vítima do erro hospitalar deverá comprovar a:
- Conduta ou falha hospitalar – pode-se valer das anotações do prontuário –;
- Danos lesivos – moral, físico e material –; e
- Nexo de causalidade entre o ato hospitalar ilícito e os danos – demonstrando que os danos do paciente somente existem em razão da conduta de o hospital (enfermeiro(a)) esquecer o material hospitalar no braço, ou seja, se o serviço hospitalar tivesse sido prestado com diligência, prudência e perícia, não persistiria os prejuízos.
Já no segundo caso, a solução jurídica reclama a aplicação da teoria da responsabilidade civil subjetiva prevista no art. 186 do Código Civil 2002. Essa teoria é adotada, via de regra, pelo ordenamento jurídico brasileiro, pois não se cogita responsabilidade civil do profissional médico sem análise da culpa – negligência, imprudência ou imperícia – no cometimento do erro médico.
Logo, por residir a dúvida da morte do paciente sobre o ato médico ou hospitalar, o familiar do paciente falecido deverá comprovar o ato ilícito ou culpa do médico, a relação de causalidade e o dano, para surgir a responsabilidade civil e o dever de indenizar do médico, e solidariamente do hospital, pelo erro médico.
Essa última hipótese é o exemplo de responsabilidade civil dos hospitais por atos dos médicos, denominado pela doutrina (CHAVES, Cristiano, Responsabilidade Civil, 2019, p. 835) de regime especial.
Com base nessas breves linhas e especialmente nos dois exemplos, é de compreensão obrigatória que nem todo dano ao paciente é resultado direto da atuação do médico pessoa física.
Por disposição expressa do art. 186 do CC/02, as partes e os advogados em face de um alegado erro médico do profissional médico, devem, inicialmente, no bojo da causa de pedir especificar e vincular o ato ilícito a espécie de culpa; a relação de causa e efeito e prejuízo.
De outro modo, resultando o dano unicamente da falha ou defeito do serviço hospitalar, conforme o art. 14, caput, do CDC, a parte tem o ônus de comprovar a conduta ou falha; o nexo de causa; e os prejuízos.
A inobservância, a despeito do sofrimento pela perda de um familiar, dessas regras, poderá resultar no julgamento improcedente do pedido de indenização.
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Galvão & Silva Advocacia
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