A recuperação judicial e extrajudicial no Brasil foi introduzida apenas em 2005, pela lei 11.101/05, e tem como objetivo a elaboração de um plano de recuperação de empresas multinacionais para evitar a falência da empresa. As empresas multinacionais situadas no Brasil, ou brasileiras, possuem esse direito também, tendo em vista o ordenamento jurídico.
Dessa forma, nesse artigo, veremos como é aplicada a lei de falência e recuperação judicial em processos pertencentes a empresas multinacionais, conforme a nova lei 14.112/2020, que tratou de insolvência transnacional, e de que forma o judiciário está presente, aplicando as legislações vigentes no ordenamento nos casos concretos.
O que é recuperação de empresa?
A instabilidade dentro de uma empresa pode ser desencadeada por diversos fatores, como: má gestão, a ausência de uma fiscalização financeira, inflação, crises internacionais, confusão patrimonial, entre outras, e por isso, no ordenamento, existem procedimentos voltados para o bem da atividade empresarial, como a recuperação judicial, e até mesmo a falência.
Ademais, a recuperação judicial e a falência são ambos processos destinados a empresas inadimplentes em que seus credores, acionistas, trabalhadores podem sair prejudicados. Visando o interesse destes, foi criada a lei de falência 11.101/2005, que regula a recuperação judicial, extrajudicial e a falência do empresário e da sociedade empresária.
Dessa forma, a falência ocorre quando a empresa deixa de ser inadimplente e passa a ser insolvente. Portanto, não há mais como o devedor cumprir com sua obrigação empresarial, e nem como abrir uma simples execução. A recuperação é uma forma de evitar que a inadimplência se torne insolvência.
O que hoje é conhecido como processo de recuperação judicial, antes era conhecido como “concordata”, regido pela lei 7.661/45 que foi revogada pela lei 11.101/2005. A concordata era simplificadamente, um acordo entre credores, onde havia a modalidade suspensiva (que concedia um prazo para quitar com suas dívidas antes da falência) e a forma preventiva (que o comerciante oferecia para pagar seus credores de forma parcelada, ou 50% à vista).
Destaca-se que entre a prévia lei, e a atual, uma das maiores diferenças está na finalidade desses processos. Na lei revogada, a sobrevivência da atividade empresarial não era uma prioridade, e sim a resolução das dívidas com os credores. Na atualidade, o objetivo primordial da lei 11.101/2005 é tentar retomar as atividades. Esse entendimento tem como base o princípio da preservação da empresa.
Após o plano de recuperação, caso não ocorra essa recuperação, pode haver a falência e a liquidação do comércio, para que não haja maiores prejuízos para as partes, tendo em vista o risco envolvido em toda atividade empresarial.
Ademais, no ordenamento, também está prevista a recuperação extrajudicial, que possui os mesmos pré-requisitos da judicial, porém, por não ser em âmbito judicial, possui algumas diferenças, como celeridade, a não indicação de administrador-judicial, e a homologação judicial apenas no final.
Infelizmente, ao criar a lei 11.101/2005, o legislador não estabeleceu amplamente como seria o processo de recuperação de empresas multinacionais. Tendo sido citado apenas em seu artigo 3º, trazendo diversos questionamentos e processos extensos.
Art. 3º É competente para homologar o plano de recuperação extrajudicial, deferir a recuperação judicial ou decretar a falência o juízo do local do principal estabelecimento do devedor ou da filial de empresa que tenha sede fora do Brasil.
Art. 3º, lei 11.101/2005
Dessa forma, era estabelecido apenas que o critério para resolução de recuperações internacionais seria o de “territorialidade”, cabendo ao judiciário preencher as lacunas com leis já inseridas em nosso ordenamento. Portanto, não havia segurança jurídica e credores de diferentes nacionalidades saiam prejudicados.
Contudo, em 2020, a lei 14.112/20 foi introduzida ao ordenamento jurídico para alterar a prévia lei, atualizando a legislação, e introduziu normas acerca da insolvência internacional.
Insolvência internacional
Com a alteração do ordenamento, conforme a lei 14.112/20, foi introduzido pelo legislativo o que foi nomeado como insolvência internacional, internacionalmente conhecido como “cross-border insolvency”. Esse termo se refere a recuperações judiciais, extrajudiciais e falências transnacionais, ou seja, relacionada a outros países.
Dessa forma, a recuperação de empresas multinacionais ocorre quando inicia-se um processo de recuperação judicial ou extrajudicial onde a empresa localizada no Brasil, ou em outro país, possui bens, empregados, estabelecimentos ou atividades em mais de um país.
A Lei 14.112/20 foi introduzida durante um momento conturbado mundialmente. Durante a pandemia devido ao COVID-19, muitas empresas internacionais se tornaram inadimplentes e tiveram que procurar a recuperação judicial para tentar continuar as atividades empresariais, dessa forma, a lei teve que evoluir paralelamente à crise global instaurada.
É comum que com a globalização, ao ocorrer o processo de insolvência, os ativos da empresa devedora que estão em outras jurisdições (países) e credores que sejam de países diversos, encontram-se perdidos e sem ter conhecimento de como resolver a lide.
Antes da adoção dessa lei, o processo acabava se tornando extenso e lento, tendo em vista que com o princípio da territorialidade, cada país executava a falência e a recuperação de sua forma.
Os artigos que versam sobre a recuperação de empresas multinacionais foram incorporados no Brasil a partir da lei modelo da United Nations Commission On International Trade Law (UNCITRAL), que tem como princípio a cooperação entre as nações em relação a ações de insolvência.
Atualmente, com a nova lei, a fim de promover uma maior segurança jurídica e celeridade, a o artigo 167-A estabeleceu os seguintes mecanismos:
Art. 167- A. Este Capítulo disciplina a insolvência transnacional, com o objetivo de proporcionar mecanismos efetivos para:
I – a cooperação entre juízes e outras autoridades competentes do Brasil e de outros países em casos de insolvência transnacional;
II – o aumento da segurança jurídica para a atividade econômica e para o investimento;
III – a administração justa e eficiente de processos de insolvência transnacional, de modo a proteger os interesses de todos os credores e dos demais interessados, inclusive do devedor;
IV – a proteção e a maximização do valor dos ativos do devedor;
V – a promoção da recuperação de empresas em crise econômico-financeira, com a proteção de investimentos e a preservação de empregos; e
VI – a promoção da liquidação dos ativos da empresa em crise econômico-financeira, com a preservação e a otimização da utilização produtiva dos bens, dos ativos e dos recursos produtivos da empresa, inclusive os intangíveis.
Observa-se então que o intuito do legislador, é, com a cooperação dos outros países, reunir todos as etapas do processo de recuperação de empresas multinacionais em uma só jurisdição, para que possa promover uma maximização dos valores dos credores, assim como a preservação dos bens.
É importante ressaltar que no âmbito de recuperação de empresas multinacionais, o objetivo principal é a boa fé e a cooperação entre os países envolvidos. A lei foi desenvolvida para que as empresas continuem ativas, e empregos sejam mantidos, dessa forma, há a necessidade de uma participação de boa-fé do judiciário de outras jurisdições.
§ 1º Na interpretação das disposições deste Capítulo, deverão ser considerados o seu objetivo de cooperação internacional, a necessidade de uniformidade de sua aplicação e a observância da boa-fé.
§ 2º As medidas de assistência aos processos estrangeiros mencionadas neste Capítulo formam um rol meramente exemplificativo, de modo que outras medidas, ainda que previstas em leis distintas, solicitadas pelo representante estrangeiro, pela autoridade estrangeira ou pelo juízo brasileiro poderão ser deferidas pelo juiz competente ou promovidas diretamente pelo administrador judicial, com imediata comunicação nos autos.
Art. 167-A., § 1º e § 2º, Lei 14.112/2020
Ademais, destaca-se que as medidas expostas na lei, em prol da cooperação entre os países para a recuperação judicial internacional, são meramente exemplificativas, e os representantes estrangeiros, juiz ou administrador-judicial poderão solicitar outras, caso seja benéfico para o processo.
Quem são os sujeitos envolvidos em processos de recuperação de empresas multinacionais?
A insolvência transnacional trouxe consigo, na lei 14.112/2020, quais partes estariam envolvidas e seriam consideradas “empresas multinacionais” e “credores internacionais”, tendo em vista que em casos concretos, existem diferentes modelos de processos e empresas. Portanto, para melhor entendimento, no artigo 167-C, estão elencados:
Art. 167-C. As disposições deste Capítulo aplicam-se aos casos em que:
I – autoridade estrangeira ou representante estrangeiro solicita assistência no Brasil para um processo estrangeiro;
II – assistência relacionada a um processo disciplinado por esta Lei é pleiteada em um país estrangeiro;
III – processo estrangeiro e processo disciplinado por esta Lei relativos ao mesmo devedor estão em curso simultaneamente; ou
IV – credores ou outras partes interessadas, de outro país, têm interesse em requerer a abertura de um processo disciplinado por esta Lei, ou dele participar.
Art.167, Lei 14.112/2020
Observa-se que apesar da recuperação de empresas multinacionais envolver credores internacionais, e garantir mais segurança jurídica às partes, o artigo 3º da lei 11.101/2005, ainda prevalece, indicando que a jurisdição principal ainda é no território onde se originou o processo.
Conclusão
Entende-se que o ordenamento jurídico brasileiro tem evoluído em conjunto com o direito internacional privado, e no âmbito de recuperação de empresas multinacionais essa mudança ficou evidente com a recepção da lei modelo da UNCITRAL e a criação da lei 14.112/2020 que foi de grande avanço no tema.
Assim, situações relacionadas ao tema de recuperação de empresas multinacionais e nacionais são complexas para sua conclusão, especialmente quando necessário o envolvimento do judiciário. Desta forma, contar com advogados especialistas na área é fundamental para a conclusão tranquila de uma demanda tão sensível.
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Galvão & Silva Advocacia
Artigo escrito por advogados especialistas do escritório Galvão & Silva Advocacia. Inscrita no CNPJ 22.889.244/0001-00 e Registro OAB/DF 2609/15. Conheça nossos autores.