No dia 23 de março, o plenário do Supremo Tribunal Federal (STF) decidiu pela possibilidade de que autoridades brasileiras possam solicitar dados diretamente às Big Techs como ferramenta de investigação. A natureza “direta” da solicitação é a inovação deste entendimento.
Até então, as autoridades ficavam restritas às convenções multilaterais e bilaterais das quais o país é signatário.
A decisão foi feita por 8 votos a 3, em meio às circunstâncias de apuração dos atos de 8 de janeiro em Brasília. A apuração dos atos envolve a necessidade de obtenção de informações de Big Techs que reúnem o controle de redes sociais, aplicativos de mensagens e dados de usuários.
A questão da solicitação de dados diretamente às empresas, porém, não é assunto recente. Ao longo dos últimos anos, decisões pelo bloqueio do funcionamento de aplicativos de mensagens e redes sociais foram a solução encontrada pela Justiça para garantir a obtenção de dados ou cooperação de algumas destas empresas.
MLAT, carta rogatória e solicitações diretas são os instrumentos em debate pelo STF
A decisão do STF a favor da solicitação direta de dados por parte das autoridades brasileiras adiciona um recurso de obtenção destas informações ao arcabouço disponível para elas.
No contexto geral, as autoridades brasileiras usavam cartas rogatórias, que deveriam ser validadas pelo país onde surtiriam efeito, para, só então, atribuir natureza decisória para uma ordem brasileira a uma empresa que funciona fora do país.
Em solução alternativa recente, o Brasil e os Estados Unidos assinaram o Acordo de Assistência Judiciária em Matéria Penal, o MLAT. O acordo bilateral previa a possibilidade de solicitação direta de informações a empresas cujos provedores estão no exterior, desde que em um dos dois países.
Embora o MLAT tenha representado um avanço em relação ao uso das cartas rogatórias em termos de agilidade, sua natureza bilateral confirmou-se restrita em relação à multiplicidade de países sede de softwares e bancos de dados.
Países asiáticos e no leste europeu sediam cada vez mais empresas de tecnologia, exigindo uma via mais célere de obtenção de dados que podem ser essenciais para questões ligadas à desinformação ou segurança nacional.
Neste sentido, o direito de demandar dados diretamente dos provedores no exterior dá, ao ordenamento jurídico brasileiro, maior poder barganha para obter o cumprimento, tendo meios reconhecidos para reagir em situações de não cooperação dos servidores.
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Marco civil da internet é base para o argumento do STF
A despeito da natureza inovadora de interpretação atribuída à decisão, a ideia em si não é inédita no Brasil. O Marco Civil da Internet, Lei nº 12.965 de 23 de abril de 2014 já determina, em seu artigo 11, parágrafo 3º, que:
Os provedores de conexão e de aplicações de internet deverão prestar, na forma da regulamentação, informações que permitam a verificação quanto ao cumprimento da legislação brasileira referente à coleta, à guarda, ao armazenamento ou ao tratamento de dados, bem como quanto ao respeito à privacidade e ao sigilo de comunicações.
O artigo reconhece, ainda, que este dever de prestação de informações se aplica a provedores e aplicações de internet em que pelo menos um dos atos abordados ocorra em território nacional, “mesmo que as atividades sejam realizadas por pessoa jurídica sediada no exterior”.
Neste sentido, a decisão busca dar efeito prático frente à não-regulamentação posterior prevista na lei, de forma a garantir que não ocorram prejuízos às investigações nacionais a despeito da existência de legislação que promova tal possibilidade.
Como a decisão muda a prática atual?
A palavra-chave que se espera da decisão do STF é eficiência. A solicitação direta de informações a provedores permite comunicação mais ágil em relação à matéria sendo investigada. Em um tema tão sensível ao tempo quanto às questões de dados e comunicações, o benefício é evidente.
Em termos técnicos, a principal mudança é não depender exclusivamente do desejo de cooperação das empresas – que, em diversas ocasiões, se demonstraram pouco disponíveis para contribuições voluntárias. Até então, o uso das cartas rogatórias poderia significar vários meses de espera, a ponto de a obtenção das informações já ter perdido valor prático para as autoridades.
Do outro lado da discussão, sob a ótica dos 3 votos contrários à decisão, fala-se em uma quebra do respeito à soberania nacional de outros países.
Os argumentos de que a solicitação direta de dados ataca o princípio da reciprocidade foram sustentados no sentido de que conflitos diplomáticos e, mesmo, abusos de autoridade, poderiam decorrer desta imposição que não depende da concordância do ordenamento jurídico do país envolvido.
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Impactos também podem se estender a questões particulares?
Importante se faz a compreensão de que a decisão diz respeito à solicitação de autoridades brasileiras, e não à solicitação por particulares, mesmo que sob fundamentos jurídicos.
Neste sentido, a solicitação só poderá ser feita em benefício particular quando for parte da investigação ou esforço de autoridade pública, como em casos criminais em que a obtenção das informações se fizer necessária para as investigações.
Nem a decisão, nem o Marco Civil, nem outros mecanismos do ordenamento jurídico brasileiro preveem formas legalmente sustentadas para obrigar o cumprimento de requisição direta de dados a provedores e aplicativos estrangeiros. Da mesma forma, a decisão não é taxativa a respeito do rol de circunstâncias em que se justifique a solicitação direta.
No que diz respeito ao entendimento e suas aplicações, ainda, é relevante considerar que o Marco Civil não apenas já prevê tal possibilidade, como estabelece a necessidade de regulamentação complementar por decreto.
A decisão do STF, neste sentido, reforça o acerto da legislação, bem como a urgência da regulamentação sobre o assunto, de forma que um tema tão essencial para o cenário atual não dependa exclusivamente de interpretações judiciárias.
Galvão & Silva Advocacia
Artigo escrito por advogados especialistas do escritório Galvão & Silva Advocacia. Inscrita no CNPJ 22.889.244/0001-00 e Registro OAB/DF 2609/15. Conheça nossos autores.